segunda-feira, 28 de novembro de 2011

on-topic, para a posteridade: parque

havia acabado de tocar violão por quinze minutos na praça das fontes, onde, com alguma distância, me faziam companhia dois casais (um deles fazendo piquenique) e um senhor lendo um livro. começou a trovejar, o que ignorei por um tempo, mas logo então a chuviscar (de maneira bem gradual, nada a reclamar). voltei para o carro e passeei pela rua do parque, com graus de chuva radicalmente diferentes em cada conjunção de deslocamento tempo-espaço.

agora era segunda-feira, tipo 14h40. na região do estacionamento seis – outro lado da rua do gibão, onde ficava o saudoso tribal park e onde agora rola uma arquibancada sem propósito e, mais a frente, um grande parquinho de areia abstrato – parei o carro para estudar violão. no estacionamento, logo à minha frente, estacionou também outro carro, um kia soul preto, cujo dono se demorou um pouco para sair e, tendo feito, ficou andando de um lado para o outro, olhando para o chão como alguém (eu, por exemplo, às vezes) que quer parecer com algum propósito quando não há. lá também outros poucos carros, todos estranhamente juntos em vagas imediatamente vizinhas num estacionamento tão amplo e sem nenhum ponto de atividade identificável.

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kia soul, meu carro, outros carros


violão em uma mão e skate na outra (de certa forma pelo saudosismo do antigo skate park, mas sobretudo por se tratar de uma arma branca poderosa (na minha cabeça, imbatível senão por armas de fogo)), andei um pouco pela região procurando algum lugar agradável e com cobertura suficiente para proteger o violão da chuva minúscula em intensidade e densidade e dimensão das gotas. escolhi um banquinho de quatro banquinhos em volta de uma mesinha, perto de uma churrasqueira, sob um dossel de pinheiros (que, por ter folhas quase não-folhas, sequer servia ao propósito de cobertura, mas ao menos era bem bonito). retirei o violão do estojo, que serviu como apoio de pé, e comecei a tocar uma música inacabada minha antes de partir para coisas sérias.

antes dela terminar (o que significa menos de dois minutos depois), o rapaz do estacionamento, de vestimentas e fisionomia que não me comunicavam absolutamente nada, veio em minha direção com o distanciamento mínimo para que houvesse a possibilidade dele não estar vindo a mim. ele passa minha mesa e se senta em outra mesa (em cima da mesa) no mesmo complexo que eu, alguns metros de distância, de novo o mínimo necessário para não ser conclusivo que eu tenho algo a ver com qualquer coisa. no meu raio de visão (enorme, fora a diferença da miopia dos meus olhos e da correção dos óculos), ninguém mais à vista, e um sem-fim de possibilidades de assentos (inclusive outros complexos de mesa e churrasqueira) para quem quer só sentar e ficar parado, como ele fazia.

antes de tomar qualquer conclusão, considerei que era início de tarde numa segunda-feira, e o que haveria de ser aquele lugar recluso senão um ponto de encontro de gente maluca e / ou em busca de experiências espirituais edificantes? eu sei uma coisa ou duas sobre parecer completamente inexplicável para as outras pessoas em algumas situações, e daí presumi que, até segunda ordem, ele estava lá para, timidamente, ouvir minha música, que realmente soava bonita naquele contexto.

essa música não tem fim, então eu repetia sua execução inteira, já que estava finalmente me soando bem e eu poderia terminá-la, talvez (este rascunho vem se engessando tem quase um ano). antes dela chegar ao seu fim novamente, vejo, de longe, outro homem vindo na minha (nossa) direção geral, também meio errático, parando para analisar rapidamente coisas improváveis (árvore, estacionamento, bebedouro da caesb). já considerando alguma possibilidade de emboscada improvável, de uma ação conjunta criminosa e brutal dos dois homens, minha primeira reação foi emendar a minha música, que é suave e bonitinha, em acordes extremamente dissonantes e gestos bruscos. rasgueados repentinos em acordes cheios de nonas menores, cromatismos com eles, puxadas e crescendos acompanhados de movimentos corporais expressivos que eu esperava, de alguma forma, que me fizessem pagar de maluco e fizessem os dois criminosos, se fossem, pensarem duas vezes antes de se meterem comigo. uma solução muito questionável ao dilema de não parecer paranóico e desconfiado demais, ofendendo principalmente o primeiro cara (quem pára o carro em um lugar, caminha um tanto razoável e só toca por uns sete minutos e vaza?) e, ao mesmo tempo, fazer algo minimamente a respeito sobre a possibilidade de sofrer um ataque brutal. falhando terrivelmente no segundo quesito, eu concedo, mas o primeiro é de uma importância desproporcional para mim, como todos que me conhecem hão de saber. não sei se faria diferente.

conforme o segundo elemento, também indecifrável visualmente (para mim), se aproximava, e minha música caminhava rapidamente para vanguardas ainda mais recentes, a chuva deu uma leve engrossada. talvez imperceptível para quem não estivesse com um objeto de madeira que não pudesse tomar chuva, mas eu estava com dois e tinha boa razão para querer sair de lá. legitimado, sem trair nada. então, tentando não parecer apressado, guardei o violão no estojo e carreguei-o com a mão esquerda para otimizar um possível manejo violento do skate com a direita (com um rodopio, como uma espada? como um aríete? eu saberia quando a hora chegasse). fiz um barulho, algo como um pigarro ou um grunhido, que em análise posterior vejo que era para mostrar que eu estava no comando sonoro do lugar, e andei, sem desviar eventuais encontros oculares com o segundo rapaz quando nos semi-cruzamos. cheguei aliviado no carro, vendo que aquele aglomerado de carros todos contavam com seus motoristas dentro deles, quase todos de camisa social e gravata, sozinhos, sem interagir um com o outro. tudo muito estranho.

saindo do estacionamento, pude ver de longe o rapaz que sentava na mesa. ele estava agora acompanhado por outro, que, por conta da minha ausência de atenção e memória visual, não sei dizer se é o mesmo que vinha em nossa direção. na hora imaginei que havia, então, feito bem em sair de lá, mas depois percebi que, por ter olhado apenas rapidamente, como uma fotografia, a interação dos dois poderia ser de qualquer natureza. algo tranquilo como uma venda de drogas, um pedido de cigarros, um maluco sociável puxando papo. ou ainda, mais ominosamente, uma violência a qual alguém armado com um skate poderia, estando ao redor, evitar. o rapaz tinha um carro bem mais caro que o meu, e presumidamente mais a perder materialmente. ou então dois amigos que marcaram um passeio no parque, como eu sem dúvida adoraria fazer com alguém. se eu pudesse entender o que aconteceu de fato, quem era cada um dos dois (possivelmente três) personagens, de onde eles vinham e por quê, e o que pensavam da vida de forma geral, e que diabos aquela galera vestida para trabalhar fazia lá, talvez eu pudesse extrair um significado daquilo tudo, mas não faço idéia e nem mesmo o que eu fazia lá era tão justificado assim. e então, todos os elementos em aberto, a experiência toda abstrata e onírica que nem aquele parquinho raramente ocupado. um vortex de surrealismo dos muitos que se encontra em brasília com muito pouco esforço. de lá, fui para a aliança francesa pela primeira vez, onde encontrei um amigo, li na biblioteca por uma hora, pessoas falaram francês comigo, vi uma cena de sexo não-explícito na televisão da recepção e informei a um rapaz ignorado pela recepcionista onde era a lanchonete.